sábado, 19 de setembro de 2009

Popcorn na caverna de Platão - crônica

A cena era banal. Aliás, demasiado banal, resvalando para o prosaico. Mas desatou em mim uma enfiada de reflexões sobre a sociedade moderna que não pude evitar. A reflexão filosófica não escolhe hora nem lugar para se manifestar. Tampouco escolhe objeto. Basta o lampejo da percepção de algo que nos pareça fora do lugar, ou em contradição com alguma ordem lógica abstrata, no mundo ou em nós mesmos, para que nossos mecanismos sensoriais se mobilizem, alheios à nossa vontade.
Eu estava no cinema, na semipenumbra que antecede o início de uma sessão. Dir-se-ia uma versão moderna da caverna de Platão, com seu teatro de sombras feito de pessoas procurando o melhor lugar para se sentar.
Eis que entra um casal de namorados e se senta duas fileiras adiante. O ângulo perfeito para uma observação involuntária, uma vez que as poltronas são dispostas em acentuado declive. O rapaz segura um pacote de pipoca do tipo “jumbo” e um copo de refrigerante. Assim que se acomodam, passam a comer a pipoca e a compartilhar o canudinho do copo, provocando no ambiente os estalidos característicos do pacote sendo manuseado.
A sessão está para começar. O teatro de sombras vai se tornando rarefeito de vultos em busca do melhor ângulo diante da tela. A pipoca, percebo agora, não é privilégio do casal que eu perscrutara há pouco. Logo vários estalidos são ouvidos no interior da caverna, entremeados pelo som do milho sendo mastigado. A antessala perfeita para o entretenimento, uma das facetas que o cinema assumiu no século XX.
A julgar pela disposição do público, é de se esperar que o filme seja alguma comédia nonsense, do tipo Se eu Fosse Você, ou algum blockbuster vertiginoso, no melhor estilo Titanic ou Parque dos Dinossauros. Mas também pode ser algo na linha Sexta-feira 13, ou A hora do Espanto.
O filme era Milk – A voz da liberdade, do diretor belga Gus Van Sant, com Sean Pean interpretando Harvey Milk, o ativista dos direitos civis dos homossexuais nos anos 1970, o primeiro gay a ser eleito para um cargo público no conservador estado da Califórnia. A história, baseada em fatos reais, é barra muito pesada. Descreve a crua realidade dos gays daquela região, com seus conflitos existenciais e sua militância. Um drama que, de certo modo, ainda se arrasta pelos dias de hoje.
Nada que recomendasse a festiva cacofonia das pipocas sendo mastigadas ou dos saquinhos sendo amassados, alguns deixados à sorrelfa no assento, enquanto os créditos finais deslizavam na tela. Saí do cinema conjecturando se aquilo era reflexão filosófica ou ranhetice da minha parte. Desconfio que não era ranhetice.

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