domingo, 27 de setembro de 2009

Ideologia da pose - crônica

O cantor Cazuza talvez não imaginasse o quanto sua canção “Ideologia” se tornaria um emblema avant la lettre de um fenômeno que se seguiria à derrocada do Muro de Berlim e ao esfacelamento da União Soviética: a ideologia da pose, segundo a qual, na teoria se diz uma coisa, mas na prática realiza-se outra, por vezes diametralmente oposta. Refiro-me aos simpatizantes das esquerdas, principalmente aos já passados dos 40 anos, idade que os situa no auge do período em que o comunismo foi da glória à lona. Do comunismo propriamente dito pouca coisa restou, além de uma Coreia do Norte renitente, de uma ilha de Cuba glamourizada pelo que não é e por uma China cada vez mais inserida na economia de mercado.
Nesse contexto, sobejam essas figuras com um pé no socialismo convenientemente utópico e outro na conveniência de ocasião. Ser de esquerda, a despeito do choque de realidade da era pós-Gorbachev, ainda tem lá o seu charme. E adotar o discurso da igualdade entre os homens ainda angaria a simpatia de muita gente. No mínimo somos vistos como politicamente corretos.
Mais avant la lettre do que Cazuza, porém, foi o filósofo francês François VI, duque de La Rochefoucauld (1613-1680), que em pleno século XVII já afirmava ser tão fácil nos enganarmos a nós mesmos sem percebê-lo, como difícil enganarmos os outros sem que eles percebam. A boutade de La Rochefoucauld se revela adequada a uma época em que proliferam no dia-a-dia fariseus de toda sorte, apólogos do discurso ecochato e outros charlatães do pensamento, useiros e vezeiros do populismo mais vira-lata.
Para ficar em dois exemplos, conheço petistas inflamados que nem sequer são sindicalizados. Logo o PT, que tem como berço o sindicalismo mais seminal. E ecologistas que nos aborrecem com suas lereias delirantes, mas que no Dia Mundial sem Carro, por exemplo, vão trabalhar de carro na maior cara-de-pau, afinal, numa cidade caótica como São Paulo não se vive sem automóvel, essa invenção maldita da segunda revolução industrial.
Como uma horda de neofundamentalistas dissimulados, essa fauna, que emergiu de uma classe média intelectualizada, patrimonialista até as vísceras, grassa nas grandes metrópoles como os paladinos da moral e da razão. Sua má consciência é tão evidente quanto a hipocrisia que ostentam. Os fundamentalistas originais, pelo menos, de recorte religioso, acreditam na sua causa, que é única. Os adeptos da ideologia da pose, com seus celulares de última geração e seus automóveis reluzentes, estão sempre de plantão para exercer a patrulha. Vivem com um olho no peixe e outro no gato.

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