sábado, 26 de setembro de 2009

O caos e a estrela cintilante - crônica

"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante." A frase é de Nietzsche e tanto dialoga com um público mais sofisticado, leitor habitual do filósofo alemão, quanto com o leitor médio, aquele que sabe quem é Nietzsche, mas, em geral, no seu dia a dia, lê de Sidney Sheldon a José Saramago, atribuindo aos dois autores a mesma definição de valor; ou mesmo não lê nada.
Este caráter ambíguo da filosofia, de flertar com o vulgo e com o especialista, é uma de suas facetas mais difundidas desde que a cultura de massa pôs ao alcance de milhões as ideias dos mais díspares pensadores. E, com este fenômeno ainda recente na história das sociedades ocidentais, vejo na esteira o chamado "filósofo pop", aquele que extrapola a circunscrição erudita das páginas impressas e ganha com naturalidade a rutilância das telas da tevê e dos computadores. Ali, não apenas o repertório filosófico e a retórica importam, mas também o chame pessoal, a beleza (este elemento tão valorizado pela filosofia e tão vilipendiado pela cultura de massa, que lhe subverte o conceito), a inflexão de voz; enfim, de uma forma ou de outra, uma certa sedução.
Os exemplos brasileiros que me vêm à memória são até óbvios na atualidade: Márcia Tiburi e Viviane Mosé. E as duas são ótimas, tanto no quesito repertório quanto no quesito sedução, sem deixar de lado o rigor. "Quesito", aliás, é uma palavra bastante apropriada nesses tempos em que o pop, o erudito e o popular, sem deixar vestígios do amálgama, se consubstanciam na entidade que se convencionou chamar de "celebridade".
A filosofia transita com desenvoltura nessa atmosfera ambígua. E penso que este é um aspecto salutar desse caldo de cultura, para escândalo de uns (os puristas) e regozijo de outros (os, vamos dizer assim, "visígodos culturais"). O caos dentro de si é de cada indivíduo. A estrela cintilante, um reflexo dessa singularidade.
O jesuíta e escritor espanhol Baltasar Gracián (1601 - 1658), já no século XVII, pareceu profético ao afirmar, referindo-se ao contato do povo espanhol de seu tempo com o universo letrado, que "a maioria não tem apreço pelo que entende, e o que não compreendem, veneram". Vão nesta frase muitas das filigramas de nosso tempo, como se épocas tão distantes e distintas pudessem guardar semelhanças tão surpreendentemente fiéis entre si. E podem.

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