segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Paranoia

"Decidi fazer uma compra rápida no mercado, que ficava em frente ao apartamento. Eu precisava comprar o mínimo. Pão, café, frutas, sucos, água. Sobreviveria semanas só com isso.
A paranoia aumentava. Imaginava que, ao colocar o pé para fora do apartamento, o criminoso estaria de tocaia esperando para me eliminar de vez. Ou mandaria alguém para fazer o serviço sujo. Com o dinheiro que tirou de mim, não precisaria de muito para contratar um matador de aluguel que me assassinasse e sumisse do mapa sem deixar pistas.
Quando o peso das lembranças e o peso da realidade se tornam um fardo insuportável, o tempo se converte numa tortura. Talvez os presidiários sejam quem mais bem saiba isso na carne. Os suicidas não suportam e muitos sucumbem. O nada que sobrevém à morte é melhor do que qualquer consciência perniciosa.
Atravessei aquele sábado como se cada minuto gotejasse sangue dentro de mim. Minha prostração foi absoluta. Com muita precaução, olhando para todos os lados, precipitei-me até o outro lado da rua, onde ficava o mercadinho, e comprei o básico de que precisava. Na volta, me alarmei com um carro parado em frente à minha porta com dois sujeitos de óculos escuros dentro. Parei na porta do mercado segurando as sacolas de plástico para observar melhor. Os dois homens não conversavam, apenas pareciam esperar alguém ou alguma coisa. Um deles fumava.
Tomei-os por suspeitos, embora eles não fizessem menção de ter notado a minha presença. Dirigi-me para a calçada no sentido contrário ao do meu apartamento. Fingi ir até a banca de jornal e ali fiquei, olhando as revistas expostas. As sacolas pesavam e eu não me sentia seguro de todo modo. Se houvesse uma emboscada, ela poderia vir de qualquer lado, não necessariamente dos homens do carro. Mas assim que me virei, depois de olhar com interesse as manchetes de uma revista, percebi que o carro não estava mais lá. Ainda vasculhei com o olhar o entorno do prédio, mas não havia mais vestígio do automóvel. Então voltei pela mesma calçada e, ainda ressabiado, atravessei a avenida e me embarafustei pelo corredor de entrada do apartamento. Dali só sairia na segunda-feira para trabalhar."
(Trecho do romance autobiográfico Dias sem blues.)

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