sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ciclos - crônica


 Nada mais saudável do que o fim de um ciclo e o início de outro. E a intuição, velha companheira de jornada, não nos deixa enganar. Sempre sabemos quando estamos fazendo a passagem. Podemos até não agir de imediato conforme a nova disposição que nos move, mas no fundo sentimos que algo ficou perdido no tempo, não raro para sempre. E que algo está por vir.
Houve um tempo em que meus interesses giravam em torno do futebol. No final dos anos 1970, premido pelas perseguições que sofria na escola (claramente bullying), enfiei na cabeça que seria jogador de futebol, uma forma de ir à forra contra os que me molestavam na sala de aula. Larguei tudo, família, escola, amigos, e fui para Curitiba, morar na casa de um tio e treinar no infanto-juvenl do antigo Pinheiros (atual Paraná Clube).
A empreitada tinha tudo para dar errado, e deu. Fiquei ainda um tempo zaranzando por Curitiba e Paranaguá até voltar para São Paulo, arranjar um emprego de office-boy e retomar os estudos. Era um novo ciclo que se anunciava, mas embutido nele havia um ciclo maior, que me acompanharia pela vida afora: o da leitura e escrita.
Os ciclos possuem essa característica: para passar de um a outro é preciso esgotar todas as possibilidades e ilusões do ciclo que termina. Em outras palavras, para fazer a travessia é preciso experimentar uma certa crise pessoal. Nesse sentido, assumir que um ciclo terminou requer humildade. É aquele momento em que reconhecemos, num ato de absoluta sinceridade, que nossa vida está seguindo um rumo equivocado, que precisamos interpretar com objetividade e sabedoria os recorrentes fracassos; que, enfim, está na hora de rever os conceitos. E mudar.
O ciclo da leitura e escrita foi tão forte para mim que, terminado o ensino médio, decidi que não precisava fazer faculdade. Para que faculdade, me perguntava, se eu lia os grandes autores da literatura mundial? Para mim, era o que bastava. Foi a época do mergulho radical na literatura russa, com seus romances ferozmente impregnados de tragédia e paixão. Eu não queria outra atmosfera naquele momento da minha existência.
No entanto, alheios à nossa vontade, dialeticamente os ciclos se sucedem, se intercalam, se contradizem, se sobrepõem, fazendo-nos superar nosso entendimento do mundo e forçando-nos a seguir em frente. Isso é o que, depois, iremos chamar de “vida”.Ou de “a minha vida”. De modo que fui vivenciando os ciclos que a vida me apresentava. O de jovem recém-casado. O de jovem pai. O de pai coruja. O de filho maduro. O de filho sem pai e mãe. O de ouvinte de MPB. O de editor. O de escritor. O de soropositivo. O de estudante de jornalismo. O de homem separado.
Como no mito do eterno retorno do Nietzsche, inexoravelmente as coisas voltam. E nos últimos seis anos, morando sozinho, vivenciei novamente o ciclo do namorado que fui um dia, com todos os rituais da circunstância: o flerte, o pedido de namoro, a apresentação aos pais da garota (alguns deles da minha idade ou até mais novos), as descobertas, o estado de graça, o amor, que também é feito de conflitos e desavenças. E depois o caminho inverso. O melancólico caminho inverso. Eterno retorno.
Esta semana vivi o fim de um namoro, o terceiro nesses seis anos em que moro sozinho. Mas não foi somente o fim de um namoro. Foi o fim de um ciclo. É tão concreto para mim que tenho vontade de rir da minha sagacidade em percebê-lo. Não há o que lamentar. Nada mais saudável do que o fim de um ciclo e o começo de outro. Na vida, como na natureza, nada se perde, tudo se transforma. E, pelo menos no meu caso, os amores vão se transformando em amizades. Amizades especiais e perenes.
Nada se perde.

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