quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A arte de não cumprimentar

Numa de suas crônicas, o escritor Antônio Prata maldisse as pessoas que não nos esperam no elevador, deixando-o fechar na nossa cara pelo fortuito prazer de desfrutar por alguns segundos de dois ou três metros quadrados de solidão. O tema, entre tantos outros da vida pós-moderna, parece incomodá-lo.

A mim, que já tive o elevador fechado na cara algumas vezes, essa inexplicável descortesia não chega a incomodar. O que me incomoda são as pessoas que não cumprimentam. Incomodar, aliás, talvez não seja o verbo mais adequado; melhor seria dizer que me causam uma espécie de perplexidade surda. O fato me é tão incompreensível que eu poderia classificar as pessoas de acordo com o modo como não cumprimentam.

O tipo mais comum é aquele que só cumprimenta dependendo das circunstâncias. Por exemplo, quando ele topa com você na saída do elevador ou na esquina de um corredor. Não há como fugir, e o não cumprimento ficaria muito evidente. Então ele solta aquele “tudo bem?” automático, só para não ficar mal no filme.

É o mesmo tipo que, na fila do cinema (principalmente se for um filme da Mostra), ao perceber que você vai assistir à mesma película que ele, finge que não o vê e até procura tornar a coisa natural, olhando acintosamente para todos os lados, inclusive para o seu, para dissimular uma possível distração. Se você o interpelar no dia seguinte, ele se sairá com o indefectível álibi da distração.

Mais esfarrapada do que a desculpa da distração, porém, é a batida alegação de não se enxergar de longe – e nem de perto, por supuesto. Pode até ser, nunca se sabe. Mas em geral você sabe quando a pessoa o viu e disfarçou fingindo que não. É quando o seu olhar bate no fundo do olhar da pessoa e o olhar da pessoa bate no fundo do seu. É coisa de milésimos de segundos. É sutil. É fugidio. Mas você sabe.

Não é incomum, entretanto, que a mesma pessoa que o ignorou no hipermercado ou no Habib´s o cumprimente efusivamente no dia seguinte, no toillet da empresa – o que certamente o deixará desconcertado, cristalizando em sua alma a ideia de que o mundo mudou e você não tem mais elementos para compreendê-lo.

Você sai do toillet atarantado e se perde num emaranhado de conjecturas. As pessoas não têm lógica, você conclui. Umas agem assim porque são tímidas ou inseguras, o que, nestes casos, soa até como atenuante. Outras porque se consideram superiores àqueles aos quais não dirige o olhar, aos quais não estende sequer um meneio de cabeça. Outras, ainda, por questões econômicas, raciais, estéticas, sexuais, políticas, vai saber. Ou senão por aquela antipatia gratuita que, como a gripe, nos acomete a todos, não importa a classe social.

Obviamente que ninguém é obrigado a cumprimentar quem não queira. O cumprimento, no atacado, é um gesto de camaradagem, de identificação; no varejo, um gesto de educação, de civilidade. E admito minha faceta Woody Allen, de neurótico assumido, ou drummondiana, de ser mais um gauche na vida, ao prestar atenção nessas filigranas do cotidiano e ainda escrever sobre elas.

Desconfio, contudo, que nesses tempos de individualismo exacerbado, não se cumprimenta simplesmente porque não se enxerga o outro. Porque o outro só existe na medida em que se precisa de algum favor dele ou quando o outro se interpõe entre nós e nossos planos imediatos. Neste caso, principalmente, não temos saída: seremos obrigados a enxergar o outro. Não para cumprimentá-lo, obviamente, mas para o eliminarmos sem ruídos de consciência, caso ele insista em permancer no nosso caminho

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