sábado, 24 de dezembro de 2011

A semente abandonada - crônica


Tenho na gaveta o projeto de um livro que jamais levarei a cabo. Trata-se da retomada de uma crônica do escritor Paulo Mendes Campos, chamada “A marquesa saiu às cinco horas”, na qual o cronista mineiro imagina como cada conhecido seu ou pessoa famosa de sua época falaria uma frase do escritor francês Paul Valery, justamente “A marquesa saiu às cinco horas”. O mote da crônica era a propósito de uma afirmação de Valery segundo a qual, num momento de bloqueio criativo, ele seria incapaz de escrever uma frase simples como essa.
Já brinquei muito com a ideia do Paulo Mendes Campos. Na editora Ática, em 2001, coloquei a frase na boca de todos os funcionários do editorial na época. Essa crônica fez muito sucesso entre meus colegas de trabalho, tanto que frequentemente alguém das antigas me pede para enviá-la. Quando muito, virou o registro de uma certa época, em que o “espírito corporativo” ainda não havia invadido o ambiente das editoras.
Algum tempo depois, apliquei a brincadeira também à minha turma de jornalismo da faculdade, incluindo os professores. O sucesso foi o mesmo, com alguns alunos fazendo questão de criar a frase dos amigos que lhe eram mais próximos. Outro dia, vasculhando o Google, encontrei o arquivo com essas frases lá, arquivo que eu próprio havia perdido.
Minha ideia agora, ao querer transformar a brincadeira em livro, era atualizar a crônica imaginando como cada personalidade do meu tempo diria a frase do escritor francês. No período em que me entusiasmei com a ideia, fui atrás dos direitos autorais da crônica, coisa sempre complicada. Paulo Mendes Campos faleceu nos anos 1990 e suas crônicas são publicadas por várias editoras. Sem contar que, de certo modo, a ideia original é do autor da crônica, não minha. Eu teria de negociar esse item com a família do cronista, o que por vezes pode ser também complicado. Com o tempo, abandonei a ideia. Não sem antes rabiscar uns esboços, que aqui reproduzo, com a indicação das personalidades que imaginei proferindo a famigerada frase. São, de certa forma, o embrião abortado de um livro não escrito, ou a semente abandonada de um fruto que não vingou:
Faustão: “Ô loco, meu! Não é que a marquesa saiu mesmo! Não, volta esse vídeo! Meu! Olha o tamanho da buzanfa da marquesa! Pra sair assim às cinco horas é só pra enfiar o pé na jaca mesmo!”
Silvio Santos: “Mas... hahai... Maria, vem cá, Maria... Oooi! Tá nervosa, Maria? Não tá nervosa? Então responda, Maria, valendo um milhão de reais: a que horas saiu a marquesa, Maria? Vamos lá, Maria, tem dez segundos pra responder. Às quatro? A marquesa saiu às quatro horas? Silêncio no auditório! Tem certeza, Maria? Posso tirar a resposta? Oooooi... A resposta está e....rrada!”
Zagalo: “A marquesa saiu às cinco e chegou ao Maracanã às oito da noite. É só fazer a conta: cinco mais oito dá treze. Tô falando! É Brasil na cabeça!”
Marília Gabriela: “Mas, vem cá, me explica direito, como é que se convive com isso? De repente a marquesa sai às cinco e tudo bem? É isso que não entra na minha cabeça!”
Jô Soares: “Sem querer interromper, e já interrompendo, vamos ver o vídeo da marquesa saindo às cinco horas... Willy, tá no ponto? ... Que maraviiiilha!”
Novela das oito:
“ ‘- João Estêvão, eu tenho uma revelação a fazer!’
‘Fale, Ingrid. Você sabe que eu detesto rodeios...’
‘É tão difícil pra mim...’
‘Seja o que for, fale, Ingrid. Não deve existir segredos entre nós.’
‘-É que...’
‘Por favor, Ingrid, fale!’
‘... a marquesa...’
‘Por tudo o que é mais sagrado, o que é que tem a marquesa...’
‘... me perdoe, João Estêvão... a marquesa saiu às cinco horas...’
‘O quê!!!’ ”

Um comentário:

Andréa Vidal disse...

Samir, que pena! Esse esboço já é sensacional, imagino o livro!!!! A novela das oito foi uma sacada incrível. Morri de rir aqui! rs
bj