Tenho na gaveta o
projeto de um livro que jamais levarei a cabo. Trata-se da retomada de uma
crônica do escritor Paulo Mendes Campos, chamada “A marquesa saiu às cinco
horas”, na qual o cronista mineiro imagina como cada conhecido seu ou pessoa
famosa de sua época falaria uma frase do escritor francês Paul Valery,
justamente “A marquesa saiu às cinco horas”. O mote da crônica era a propósito
de uma afirmação de Valery segundo a qual, num momento de bloqueio criativo, ele
seria incapaz de escrever uma frase simples como essa.
Já brinquei muito
com a ideia do Paulo Mendes Campos. Na editora Ática, em 2001, coloquei a frase
na boca de todos os funcionários do editorial na época. Essa crônica fez muito
sucesso entre meus colegas de trabalho, tanto que frequentemente alguém das
antigas me pede para enviá-la. Quando muito, virou o registro de uma certa
época, em que o “espírito corporativo” ainda não havia invadido o ambiente das
editoras.
Algum tempo depois, apliquei a brincadeira também à minha turma de jornalismo da faculdade, incluindo os professores. O sucesso foi o mesmo, com alguns alunos fazendo questão de criar a frase dos amigos que lhe eram mais próximos. Outro dia, vasculhando o Google, encontrei o arquivo com essas frases lá, arquivo que eu próprio havia perdido.
Minha ideia agora, ao querer transformar a brincadeira em livro, era
atualizar a crônica imaginando como cada personalidade do meu tempo diria a frase
do escritor francês. No período em que me
entusiasmei com a ideia, fui atrás dos direitos autorais da crônica, coisa
sempre complicada. Paulo Mendes Campos faleceu nos anos 1990 e suas crônicas
são publicadas por várias editoras. Sem contar
que, de certo modo, a ideia original é do autor da crônica, não minha. Eu teria
de negociar esse item com a família do cronista, o que por vezes pode ser também
complicado. Com o tempo, abandonei a ideia. Não sem
antes rabiscar uns esboços, que aqui reproduzo, com a indicação das personalidades
que imaginei proferindo a famigerada frase. São, de certa forma, o embrião
abortado de um livro não escrito, ou a semente abandonada de um fruto que não
vingou:
Faustão: “Ô loco,
meu! Não é que a marquesa saiu mesmo! Não, volta esse vídeo! Meu! Olha o
tamanho da buzanfa da marquesa! Pra sair assim às cinco horas é só pra enfiar o
pé na jaca mesmo!”
Silvio Santos: “Mas...
hahai... Maria, vem cá, Maria... Oooi! Tá nervosa, Maria? Não tá nervosa? Então responda, Maria, valendo um milhão de reais: a
que horas saiu a marquesa, Maria? Vamos lá, Maria, tem dez segundos pra
responder. Às quatro? A marquesa saiu às quatro horas? Silêncio no auditório! Tem
certeza, Maria? Posso tirar a resposta? Oooooi... A resposta está e....rrada!”
Zagalo: “A marquesa saiu às cinco e chegou ao
Maracanã às oito da noite. É só fazer a conta: cinco mais oito dá treze. Tô
falando! É Brasil na cabeça!”
Marília Gabriela: “Mas, vem cá, me explica direito,
como é que se convive com isso? De repente a marquesa sai às cinco e tudo bem?
É isso que não entra na minha cabeça!”
Jô Soares: “Sem querer interromper, e já
interrompendo, vamos ver o vídeo da marquesa saindo às cinco horas... Willy, tá
no ponto? ... Que maraviiiilha!”
Novela das oito:
“ ‘- João Estêvão, eu tenho uma revelação a fazer!’
‘Fale, Ingrid. Você sabe que eu detesto rodeios...’
‘É tão difícil pra mim...’
‘Seja o que for, fale, Ingrid. Não deve existir
segredos entre nós.’
‘-É que...’
‘Por favor, Ingrid, fale!’
‘... a marquesa...’
‘Por tudo o que é
mais sagrado, o que é que tem a marquesa...’
‘... me perdoe, João Estêvão... a marquesa saiu
às cinco horas...’
‘O quê!!!’ ”